domingo, 3 de julho de 2011

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

Interdição de avenidas de Mossoró e ocupação do prédio da 12ª Dired são provas de que o movimento estudantil está de volta


Munidos de megafone, cartazes, faixas, bandeiras, com punhos cerrados ao alto e gritos de ordem. Os jovens estão voltando às ruas para lutar - desta vez com novas características em relação aos movimentos estudantis realizados no passado, sobretudo, durante o período da ditadura militar.


O Brasil hoje vive uma realidade bem diferente, mas o idealismo cantado por Geraldo Vandré na música “Pra não dizer que não falei das flores”, permanece vivo e ganhando fôlego com a ajuda da rede mundial de computadores.


“A internet, especialmente as mídias sociais, hoje em dia é um canal poderoso de passar à frente uma ideia; de unir pessoas; de ser uma forma eficaz de comunicação, que fortalece um movimento”, explica o doutor em sociologia e professor de Ciências Sociais, Vanderlei de Lima.


O discurso da professora Amanda Gurgel de Natal, que ganhou grande repercussão nas redes sociais e mídia brasileira, também ajudou, segundo Vanderlei, a reavivar o sentimento de contestação.


Várias mobilizações lideradas por jovens vêm acontecendo no País mais recentemente. Em Salvador, os estudantes foram às ruas protestar contra o aumento das passagens de ônibus.


Em Natal, eles interditaram avenidas e ocuparam a Câmara dos Vereadores por dez dias pedindo, inclusive, a saída da prefeita Micarla de Sousa do poder.


Após decretarem greve por tempo indeterminado, os estudantes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) de Mossoró não ficaram de braços cruzados esperando as aulas serem retomadas.


Pelo contrário, eles foram às ruas, interditaram importantes avenidas da cidade em três oportunidades e no dia 16 de junho ocuparam a sede da 12ª Diretoria Regional de Educação (DIRED), onde permanecem até hoje.


Como os estudantes apontam, a estratégia de ocupar o prédio veio para fortalecer o movimento. “Tenta-se sair dos muros da universidade para ocupar locais públicos e alcançar maior dimensão social e surtir mais efeito nesse processo de embate”, destaca o sociólogo.
 

O cenário atual é diferente daquele que foi no passado, nas décadas de 60 e 70, que tinha uma politização permanente e personagens com mais destaque. Hoje existem outras bandeiras e elas são mais subjetivas. “Um exemplo é o aparecimento de novos sujeitos, como os gêneros, sexualidade, etnia, raça”, aponta.




Mesmo assim, Vanderlei conta que ainda carrega alguns elementos, especialmente, a questão do enfrentamento. “É uma característica da juventude não se intimidar”, completa o estudioso.


Os estudantes garantem que não vão ceder até que tenham suas reivindicações atendidas. A melhoria da educação é um dos pontos-chave da luta em que eles não participam sozinho.


Também ocupam a Dired, professores, Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública (SINTE) do RN, entre outros apoiadores. “Vem acontecendo uma articulação entre as lideranças e as categorias estão se somando”, destaca Vanderlei.


“Aqui temos pessoas com os mesmos objetivos e poderes. Não tem nenhum líder, não tem centralização de poder e com distribuição das funções. Isso sempre foi mantido dentro do grupo que não tem nenhuma pretensão política, não tem partidarismo”, destaca Luiz Luz, concluinte de Biologia da Uern e acadêmico do curso de Ecologia da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).

 


RESSURGIMENTO

Para o sociólogo, o fato de haver planejamento e articulação com outras entidades já se caracteriza um renascimento do movimento estudantil.


“O RN passou um longo tempo sem nada. O movimento estudantil desapareceu, morreu. Agora com o movimento em Natal e agora em Mossoró mostra que os estudantes são importantes para lutar, cobrar melhorias, combater os erros”, cita Samir Albuquerque, aluno de Direito da Uern.





O que muitos se perguntam é se este é mais um movimento passageiro. Os estudantes garantem que não. Vanderlei completa que sempre vai haver algo para lutar. “Sempre tem conflitos nas relações sociais. Se não houver bandeiras, não tem história”, enfatiza.


“Não vai parar. Atualmente estamos lutando por essa causa da educação. Mas percebemos que pelo empenho do pessoal o movimento não pode parar. Vamos lutar por outras bandeiras”, garante Cinthia Simão, acadêmica de Serviço Social da Uern.


“Mesmo após a greve, vamos continuar lutando por interesses da população. Isso deve ser um compromisso dos estudantes, ou melhor, dos cidadãos – lutar por um futuro melhor. Isso é consenso do grupo e ninguém aqui pensa em parar”, completa Samir.
 

O momento vivido na cidade pode ser considerado histórico. Para alguns dos ocupantes do prédio a ficha ainda não caiu. “Cada dia é uma vivência de surpresas. Está sendo uma experiência muito válida, muito rica. Eu que estou aqui 24 horas vejo que todos estão engajados e querem melhorias para a educação, para nosso Estado”, aponta.

 

 
Samir disse que no começo ficou com ressalvas de aderir. “Eu não conhecia o movimento, as pessoas que aqui estavam. E depois de três dias de ocupação vim conhecer e foi aí que caiu a ficha. Estamos fazendo algo inédito. São pessoas sonhadoras, sérias que acreditam no que estão buscando, lutando por um princípio maior. Isso me faz aumentar a paixão. Vale a pena lutar por aquilo que se acredita”, ressalta o estudante.
 

Vanderlei de Lima destaca a importância do momento. “É o reaparecimento de um ator no cenário público da esfera pública. É preciso aparecer. Se não aparecer não existe política, não existe liberdade”, finaliza o sociólogo.
  Fonte Gazeta do Oeste

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